Você já saiu do corpo?
Cientistas induzem experiência extracorporal em laboratório
Publicada em 23/08/2007 às 16h05m
Luisa Guedes - O Globo Online, com agências internacionaisRIO - Uma em cada dez pessoas diz já ter vivido a sensação de se ver de fora do próprio corpo, como se fosse libertada dele por alguns instantes. A experiência costuma ser associada à proximidade da morte, ao uso de drogas ou ainda a distúrbios neurológicos provocados de formas diversas. Mas tanto os mais céticos, que duvidam de qualquer relato do gênero, quanto os místicos, que costumam atribuir essas sensações a eventos sobrenaturais, poderiam ter vivido uma experiência extracorporal caso tivessem participado de dois estudos cujas conclusões foram publicadas na edição revista "Science".
Cientistas desafiaram a noção tradicional de autoconsciência corporal com experiências que, pela primeira vez, induziram em pessoas saudáveis a sensação de se ver de fora do próprio corpo, chegando a explicações científicas para o que antes parecia ser enigmático. Os dois estudos usaram mecanismos de realidade virtual para provocar diferentes estímulos visuais e físicos em voluntários. A principal conclusão é que desconexões nos circuitos cerebrais que processam as informações relacionadas a estas sensações podem provocar experiências extracorporais.
- Embora experiências extracorporais tenham sido relatadas em determinadas condições clínicas, as bases neurocientíficas deste fenômeno ainda não são claras. A invenção desta ilusão é importante porque revela o mecanismo básico que produz a sensação de estar dentro do próprio corpo físico - disse Henrik Hersson, neurocientista da Universidade College de Londres, autor de uma das pesquisas.
No estudo de Ehrsson, os voluntários vestiram uma espécie de óculos que projetava imagens em 3D, filmadas por uma câmera colocada exatamente atrás de onde estavam. Assim, eles viam as imagens da perspectiva de alguém que estivesse observando suas costas. O pesquisador colocava-se então entre a câmera e os participantes da experiência. Usando dois bastões de plástico, Ehrsson provocava estímulos no corpo do participante e na mesma área do "corpo virtual" do observador.
Depois, respondendo a questionários, os voluntários confirmaram que sentiram como se estivessem sentados atrás deles mesmos, no lugar onde, na verdade, estava a câmera. Na experiência, a sensação era de que o corpo deles era o de outra pessoa. O pesquisador ressalta que ainda não é possível dizer que todas as experiências extracorporais são provocadas pela mesma reação do cérebro. Seu interesse, no entanto, é estudar por que os sentimos que estamos dentro do nosso próprio corpo, "uma questão discutida por séculos na filosofia, mas que é difícil de abordar experimentalmente".
" A perspectiva visual da pessoa é muito importante para a sensação de estar dentro do corpo "
- Essa experiência sugere que a perspectiva visual da pessoa é muito importante para a sensação de estar dentro do corpo. Em outras palavras, nós sentimos que nós mesmos estamos onde nossos olhos estão - disse Ehrsson.
Entender melhor o funcionamento da consciência corporal também é o objetivo principal do estudo liderado por Olaf Blanke, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça. Na pesquisa, também foram usados óculos e câmeras para produzir uma realidade virtual. Os voluntários receberam estímulos físicos, enquanto eram filmados de costas, assistiam suas próprias imagens. Em seguida, os voluntários eram guiados para trás. Quando os pesquisadores pediam que, sem os óculos e com os olhos vendados, eles tentassem se dirigir ao lugar onde estavam originalmente, os voluntários erravam o alvo, posicionando-se onde estava, na verdade, a imagem deles mesmos. Assita ao vídeo da experiência:
O resultado foi o mesmo quando a experiência foi repetida com a projeção de imagens de outras pessoas recebendo estímulos, como se fossem na verdade o voluntário que estivesse participando da pesquisa. Embora a maioria dos participantes soubesse que a imagem não era deles mesmos, eles ainda assim localizavam sua posição inicial em um lugar "fora de seu próprio corpo".
De acordo com a pesquisa, a confusão espacial só não aconteceu quando os voluntários assistiram à imagem de um objeto do tamanho de uma pessoa. Nesse caso, eles conseguiram retornar à posição onde estavam. A experiência indicaria assim que o senso de unidade espacial depende de diversas informações compiladas pelo cérebro, em que os estímulos visuais parecem predominar.
Os pesquisadores acreditam que a sensação de estar dentro do próprio corpo depende, portanto, de mecanismos cerebrais, e não está relacionada necessariamente à capacidade de auto-refrência, à memória ou à comunicação.
" As ferramentas que usamos permitem investigar futuramente diferentes mecanismos de autoconsciência "
- As ferramentas que usamos permitem investigar futuramente diferentes mecanismos de autoconsciência. Elas são relativamente simples e poderão, por exemplo, ser usadas em estudos com pacientes e também com animais. Além disso, a experiência pode ser aplicada a certas questões filosóficas, já que é antiga a questão sobre se e como nós mesmos estamos ancorados nos nossos próprios corpos - disse, por email, a neurocientista Bigna Leggenhager, que faz parte da equipe de Blanke.
Para a pesquisadora, ainda é cedo para falar em usos terapêuticos do estudo, que poderia ajudar pacientes com distúrbios cerebrais que causam experiências extracorporais. O neurocientista da Universidade de Londres acredita, no entanto, que as pesquisas sobre experiência extracorporal também podem ter aplicações na medicina, em cirurgias realizadas à distância. Ehrson diz que os resultados de sua pesquisa podem transformar inclusive a prática de jogar videogame.
" A experiência de jogar videogame pode atingir um novo nível "
- Isso é, essencialmente, uma forma de teletransporte. Imagine as conseqüências se pudermos projetar as pessoas em um personagem virtual, para que elas possam sentir e responder como se estivessem numa versão virtual delas mesmas. A experiência de jogar videogame pode atingir um novo nível, mas pode ir muito além disso. Um cirurgião pode, por exemplo, realizar uma cirurgia controlando seu corpo virtual a partir de outro lugar - disse Ehrsson.
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